ENTRE HERÁCLITO E NIETZSCHE: A IDEIA DE ETERNO RETORNO
Palavras-chave:
Nietzsche, Devir, eterno retorno, HeráclitoResumo
A pesquisa teve por objetivo investigar, a partir da leitura do texto de Nietzsche: A filosofia na época trágica dos gregos, e com o apoio de comentaristas, como Scarlet Marton, a hipótese de aproximação entre a ideia de devir em Héráclito de Éfeso e a ideia de eterno retorno do filósofo alemão. Héráclito, o filósofo pré-socrático, em sua obra Sobre a natureza, da qual chegaram até nós apenas fragmentos escritos de forma oracular, desenvolve uma forma de racionalizar e escrever de modo semelhante ao Oráculo de Delfos, parecendo querer diferenciar a compreensão vulgar manifestada pelas palavras e o pensamento (logos). A mesma diferença que “distancia a inteligência privada” (sono) da “inteligência comum” (vigília). Para o pensador de Éfeso, a lei que rege a Natureza (physis) é o combate, uma guerra de contrários que se opõem incessantemente, em um fluxo eterno. E esta constante mudança e transformação constituem a ordem da physis se manifestando justa e universalmente. Assim, a physis se identifica com o logos e essa identidade se manifesta como o fogo primordial concebido como “uma força em movimento”, força que origina todas as coisas e para a qual todas as coisas retornam. Desse modo, Heráclito concebe o devir, ou seja, um movimento cíclico eterno que cria e produz a diversidade do mundo e, ao mesmo tempo, conduz tudo a um abrasamento final onde o fim é a condição para um novo começo. Esta é a ideia de um retorno eterno do que nasce e do que desaparece. Friedrich Nietzsche exalta a intuição do filósofo de Éfeso em relação à apreensão do devir e admite que “o mundo precisa eternamente de verdade, precisa, portanto de Heráclito: embora ele não precise do mundo. Que lhe importa a sua glória? A glória dos “mortais em incessante fluxo!”, como ele brada com desdém”. Nietzsche, cuja forma de escrever é aforismática e, também, velada como a de Heráclito, elabora a sua perspectiva de mundo como uma totalidade constituída por forças. Estas se combinam de vários modos, porém, de modo limitado até ao ponto que, num dado momento nada restaria a não ser a repetição. “A eterna ampulheta da existência”, que não cessa de virar sobre si mesma, se abriga na ideia de repetição infinita de todas as coisas. Scarlet Marton (1993) aponta que “o pensamento de Heráclito poderia muito bem conter os pré-requisitos da visão nietzschiana do eterno retorno: a noção de amor fati e a ideia de repetição”. Nota-se também que o mundo dionisíaco nietzschiano nos remete à cosmologia de Heráclito e de vários outros filósofos pré-socráticos, sob a ideia de mundo que é uma totalidade, representada pela physis em sua perenidade, sem princípio nem fim, que se efetiva no fluxo constante do vir-a-ser. Vê-se, desse modo, que é no próprio Nietzsche, em seus escritos, que encontramos o fio condutor que permite “articular os elementos da cosmovisão heraclitiana, ou como ele denomina, a sabedoria trágica, ao projeto da filosofia dionisíaca” (Lucchese, 1996, p. 54).